Cartão De Visita

No dia 29 de maio de 2010 apresentamos um show/debate sobre Amor Livre no evento da Liga Juvenil Anti-sexo, no Espaço Impróprio. Tocamos a música Cartão de Visita cuja temática tem a ver com o assunto para instigar a conversa. A apresentação não foi no espaço de show, mas na biblioteca da casa.

Quem não viu pode ver a música no link abaixo. Mas está faltando um trechinho na introdução. Quem esteve presente agora pode ter acesso a letra que também foi projetada na parece durante a performance.

Até o próximo encontro!

Catarina Disangelista

Cartão de Visita – Ao vivo

Cartão de Visita

“Ei, o seu coração é um músculo do tamanho de um punho.
mas a ditadura autoritária do ódio – continua a fazer tantas
vitimas sexuais, que tudo que eu posso fazer por nós dois é me libertar.

… e,  será que eu posso só te dar – meu cartão de visita?!

…é que o amor ao mesmo tempo que nutre, deixa-nos fracos, agonizantes
e cansados. é que o amor é um movimento de dar e receber num caminho de
duas vias, um movimento de contração e dilatação, fluxo e refluxo.

o grande problema entre os amantes é quando há discrepância entre um
movimento e outro. se dou demais e não recebo, torno-me seco, triste e
me canso. se recebo demais e não dou nada, me torno um filho-da-puta
inchado e egoísta. e no final de contas os amantes sempre apontam o
dedo na cara uns dos outros, exigindo igualdade entre aquilo que dão e
aquilo que querem receber.

eu não quero saber de nada disso. eu quero todas as vias possíveis.

me doar sem esperar que ninguém me responda da mesma forma,
receber sem que ninguém exija de mim uma reação com a mesma força da sua ação.
eu quero é enfiar a cabeça e confundir aquilo que eu faço com aquilo que me é feito,
sem distinção.

eu quero é amor e afirmação, e não o ego que espera pra poder agir.
se ninguém me escreve, eu cá estou me afirmando e me derramando ainda que outras pessoas estejam dormindo, ou trepando, ou na estação de metrô com a cabeça na lua.
Pra mim bastam as aberturas: o conteúdo e a forma de amar é a gente que determina.
eu quero é a paixão que me permite o extravasamento da mesma forma que o recolhimento,
sem que isso signifique uma diferença na intensidade.
eu quero é poder me calar e explorar outras formas além do verbo
sem que isso signifique falta de diálogo.
eu quero é poder tirar a roupa e pisar em cima de raiva e desespero,
sem me envergonhar da minha insensatez e insanidade.
eu quero é jogar na fogueira toda norma, toda teoria estéril e viver aos braços alheios.
jogado! a máxima consciência do outro, sair de mim e pairar leve no espaço que comporta
todos os meus amores, eu que me apaixono todos os dias, pelos mesmos, pelos outros.
não exigir nada de ninguém. quero é comer as vírgulas e escrever e falar como as coisas me aparecem sem filtro sem máscaras sem medo.

se digo, “serei fiel a você”,
estou demarcando um espaço silencioso além do alcance de outros desejos.
porque ninguém pode legislar o amor,
ele não pode receber ordens ou ser intimado para o serviço.
o amor pertence a si mesmo, surdo a suplícios e imóvel à violência.
e não algo que você possa negociar.
é que o amor deveria ser uma carta de alforria ao invés de mais um contrato que nos costura exclusivamente ao outro e ao mundo do outro.
estamos amarrados um ao outro numa linha que criamos e não numa linha gasta e falida que a convenção nos concedeu, e isso é tão maior, porque além de amar a pessoa amada, amo também o amor.
de que adianta amar um outro, se odeio, se detesto a forma com que o nosso amor é conduzido e enquadrado?

quero viver dias onde eu me sinta tão pleno e tão completo eternizando dentro da minha cabeça todos os instantes, todos os ângulos que meus amores e a minha visão me permitirem.
e que cada noite, ainda que mortos de sono ou de tesão, ainda que em movimentos bruscos ou na calmaria dos corpos e mentes já cansados, cada noite dessas eu me derreta pra depois me recolher maior, mais vivo e mais forte, mesmo sem demonstrar, mesmo sem ser percebido.

e saindo de casa com as olheiras fundas e um sorriso incontrolável no rosto.
na minha cabeça as velhinhas na rua com seus poodles e os comerciantes
abrindo suas lojas se sentirão agredidos pelo meu trasbordante sentimento
cheirando e irradiando a violência que acompanha toda paixão. violência
no sentido mais elementar do termo, de não sair ileso, de estar pra
sempre marcado, de ter sido fortemente violado. ir andando com o sangue
correndo apressado pelas minhas veias, meu coração se contraindo e
dilatando numa velocidade nova e imensa. daí as vontades de dar voltas
correndo pelo quarteirão, igualar a velocidade do meu corpo com a
velocidade que corre aqui dentro de mim. o que vai ser agora?

eu não sou daqueles que tem respostas prontas, tão objetivas assim,
mas procuro uma intensidade que só é suprida quando puder pensar
sem medo que “mañana es otro día”, sem todo aquele peso de responsabilidade
esmagando nossas cabeças e nossas possibilidades. Ainda temos tanto…
sinto que existem incontáveis potências a serem convertidas em atos, e a chama que eu tanto preciso pra me manter aquecido até que alcance o desejado estado de fervura.
o estado radical da fervura, que se estende à todas as esferas da vida,
desde a violência de uma mordida no pescoço,
até o ódio ativo e construtivo à esse mundo insano e arruinado.

é que me sinto vivo de verdade quando posso desejar sem limites.
e sentir-se vivo de verdade é o passo crucial ainda que não se saiba o caminho…

a partir daqui e até o infinito possível…”

This entry was posted in Amor Livre. Bookmark the permalink.